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QUASE SEMINARISTA

          Em frente ao Ginásio São Miguel, em Passa Quatro-MG, havia um Seminário dos Padres da Congregação Belo Ramo. Posteriormente, as instalações desse Seminário foram utilizadas para dar lugar ao Colégio Técnico Industrial. O Seminário foi desativado, ou transferido talvez para outra cidade.


          Mas, quando esse Seminário funcionava como tal, era destinado a acolher aqueles estudantes que tivessem ou postulassem a "vocação sacerdotal".  E foi assim, que eu "quase" virei um seminarista, ou noviciado.  Mas há uma estória que preciso contar, pois não foi exatamente a minha vontade.

          Vamos à estória (verídica)... ... no Ginásio São Miguel, havia um padre que era muito meu amigo, e se chamava (ou se chama, pois não sei por onde anda esse padre, se ainda está vivo, Deus queira que sim).  Mas, como eu ia dizendo, esse padre era o Antonio Scarpa (família de Itanhandu), era professor de francês no Ginásio.

          Ele gostava muito de cinema, e no Ginásio São Miguel havia um projetor de filmes 16 mm. O padre Scarpa resolveu então, reativar o cinema, que se encontrava parado havia muito tempo.  Para isso, fez um convênio com uma distribuidora de filmes de aluguel.

          Essa distribuidora enviava então uma "batelada", ou seja, uma grande quantidade de catálogos de filmes, para que o Ginásio escolhesse e encomendasse os filmes desejados. Cada catálogo, era uma sinopse (resumo) do filme.  -  Era trabalhoso ler cada resumo de cada filme. Demandava tempo.  E eu ajudava o padre Scarpa nessa tarefa, pois eu também gostava de cinema, e para mim, não era trabalho nenhum, eu gostava de ficar sabendo da estória ou do enredo de cada filme

          A escolha do filme a ser encomendado para o Ginásio ficava a meu critério, e tinha que ser escolhido meticulosamente, porque havia uma restrição;  a sociedade  da época era muito conservadora, e um colégio de padres não podia exibir qualquer filme, por exemplo, se houvesse muitas cenas de beijos, não podia.  Tinha que ser rejeitado.

          Eu me lembro, que selecionei vários filmes, e um deles era o "Hatari", um filme com John Wayne, que contava uma aventura na África selvagem, muitos animais, etc. -  Bem, devido a essa minha dedicação, o Pe. Scarpa ficou meu amigo, e queria me ajudar de alguma forma.

          Ele insistia e insistia muito, para que eu ingressasse no Seminário anexo ao Ginásio, e me tornasse um seminarista.  A proposta dele era:  "você fica aqui neste Seminário por 2 anos, se preparando, e depois você vai para Belo Horizonte, e lá fica por 4 anos.  Após esse período, você poderá ir para outro país:  Itália ou França (ele próprio tinha ido para a França), ou outro país qualquer".

          Esses estudos eram todos gratuitos. Eu não teria nenhuma despesa.  Eu penso que o padre Scarpa queria me encher os olhos, com viagem para o exterior, por exemplo.  Mas, no fundo, eu não queria isso.  Eu nunca havia pensado em me tornar padre, não era minha vocação.

          Mas, devido a sua insistência, eu comecei a frequentar o Seminário, e estudar o que me mandavam, ou o que era preciso.  Mas eu não fui sozinho;  junto comigo ingressaram mais 5 alunos, comigo 6, mas, desses seis apenas um continuou seus estudos, e não sei se de fato chegou a tornar-se um padre.  No meu caso, quando eu estava perto de completar 3 meses, eu desisti, e abandonei o Seminário.  Eu não havia ingressado ali por minha livre vontade, mas sim, por livre e espontânea pressão do Pe. Scarpa.

          A vida, ou a frequência no Seminário, era uma chatice.  O Seminário era todo cercado de muro.  Por dentro, havia uma Capela, várias salas, e um corredor comprido formando um quadrado contornando o pátio central, gramado, onde saltitavam coelhos de orelhas compridas.  Eu tinha que ficar todos os dias andando, por esse corredor, lemdo um livro, que nada mais era, do que o Novo Testamento. 

          A orientação, era de que eu praticamente teria que decorar esse livro, pois quando chegasse o momento (da minha transferência para Belo Horizonte), eu teria que estar muito bem preparado.  Confessar e assistir às missas, era obrigatório.  Justamente o que culminou com a minha desistência do Seminário, foi o ato da confissão, que era assim frente a frente com o padre confessor.

          Havia ali, nesse Seminário, um padre já meio idoso, que se chamava Pe. Eduardo (acho que o seu sobrenome era "Ivel", de origem estrangeira, francês, não sei ao certo).  Bem, eu fui me confessar com o padre Eduardo. Mas eu não sabia que pecado contar, pois eu passava a maior parte do tempo, ou no Ginásio São Miguel, ou no interior desse Seminário, na parte da tarde.  Dormir, eu dormia em casa mesmo.  Eu estava numa fase de treinamento.

          Bem, mas como eu não sabia que pecado contar para esse padre Eduardo, eu "inventava" pecados que eu não havia cometido, ou seja, pecadinhos bobos, como, "eu fui ao cinema escondido"..." Quando eu disse isso, o bom e velho padre achou uma graça tremenda, e começou a rir, assim como faz o Papai Noel: Ho, Ho, Ho!  Ele começou a rir, e eu fiquei sério, me sentindo, assim como se diz: "pê da vida", porque ele estava rindo de mim.

          Então eu disse ao velho padre: - "Sabe, seu padre", o meu maior pecado é que eu não acredito nada do que estou aprendendo aqui..."  Nossa!  Desta vez foi o padre que ficou sério, e me mandou ir para a Capela, ajoelhar e fazer um "exame de consciência" (praxe obrigatória antes da confissão), e depois disso, voltar para me confessar.

          Saí dali, daquela sala, fui até o portão de saída do Seminário, e... "me mandei", nunca mais quis saber de "virar padre".

          Mas, algum tempo depois, eu me arrependi de ter respondido daquela maneira para o bondoso e velho padre Eduardo, porque na verdade, eu tinha uma boa formação religiosa até aquele momento.  Mas, o que aconteceu, foi um momento de rebeldia de minha parte, porque eu não estava me sentindo bem ali, pressionado a aceitar tanta coisa que era contra minha vontade.

          Não sei bem como explicar, mas é verdade que naquele momento sim, eu cometi um pecado de verdade, por pensamento palavras e obras.  Por minha culpa, minha máxima culpa.  Até hoje me arrependo.  Mas, eu só posso pedir a Deus que me perdoe.  Arrependido estou. 

Belo Ramo
       



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